Assédio moral
A Dra. Margarida Barreto, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, defendeu tese de mestrado pesquisando
2.072 trabalhadores das indústrias química, plásticos, farmacêuticos e
cosméticos que sofreram assédio moral (42% deles). Segundo ela, o assédio
moral está sempre presente em relações hierárquicas de poder em que há o
autoritarismo. Normalmente é caracterizado por atos de intimidação e
práticas de humilhar, de rebaixar, de intimidar o outro. São práticas que
se realizam, se concretizam no local de trabalho. Que individualizam o
problema em uma só pessoa, tratam um indivíduo como incapaz, quando na
verdade isso é resultante de condições outras de trabalho, envolvendo uma
série de outros fatores, principalmente a pressão para: trabalhar,
produzir, dar qualidade em pouco tempo.
Hoje, no mundo do trabalho, há menos pessoas trabalhando muito mais. É
freqüente Empresas fazerem cortes de funcionários para conter despesas e
aumentar suas exigências em termos de produtividade para os que ficam. As
metas são estabelecidas pelos chefes, porém, estes não escolhem
estratégias para que os trabalhadores atinjam as metas estabelecidas.
Muitos acabam adoecendo com as exigências irreais. Alguns chegam a tentar
o suicídio. A Dra. Margarida alerta para o aumento do número de casos de
assédio moral. Segundo ela, esse aumento tem sido marcante no aparecimento
de doenças, de manifestações depressivas, observadas através de sua
experiência como clínica médica há trinta anos. Eu concordo com a Dra.
Margarida. Nestes vinte anos, o número de queixas que trazem as pessoas
para a psicoterapia aumentou consideravelmente em torno das relações
desumanas no trabalho, dentre elas, o assédio moral. Mas observo que as
pessoas têm uma tendência à auto-culpa, o que é muito comum nesta
situação. A Análise Transacional oferece instrumentos eficazes onde as
vítimas de assédio moral, aprendem a sair do alvo do agressor. Porém, este
agressor elegerá um outro alvo. Somente através de um trabalho com a
própria Empresa, mais especificamente com as chefias, é que se pode
neutralizar este “vírus”, que se espalha dia a dia pelas organizações,
afetando as relações no trabalho e adoecendo pessoas que, muitas vezes,
não conseguem discernir que o problema é estrutural e não, individual.
Infelizmente, os chefes não conseguem discernir, por sua vez, que estão
contribuindo para a queda na produtividade, e para muitos outros danos,
inclusive financeiros para esta Empresa.
Observo, na minha prática clínica, que o assédio moral não ocorre apenas
de chefe para subordinado. Ocorre também entre subordinados, que querem se
destacar perante o chefe, perante os outros ou perante eles mesmos. Por
exemplo: o funcionário que tem iniciativa e realiza uma ação, com 99% de
acertos, pode ser assediado moralmente por aquele seu companheiro de
trabalho, que se aproveita do 1% que ele próprio denomina de “erro”, para
massacrar seu colega de trabalho, como se ele não tivesse feito nada de
bom. Esse massacre é sutil, é no pé do ouvido, dia após dia, com o chefe
ou com os companheiros. Aos poucos, aquele indivíduo que fez algo que
merece reconhecimento acaba se tornando o “bode expiatório”.
Principalmente, quando a competência dele incomoda. É um conjunto de jogos
de poder. Quando o assédio moral não atinge o assediado profissionalmente,
a tendência é partir para o ataque na vida pessoal. Surgem “fofocas” sobre
o comportamento do indivíduo de tal forma que nada se prova, mas o estigma
se instala e só o tempo poderá apagar ou não os comentários feitos não se
sabe por quem. O que o assediado pode fazer? Existem três alternativas:
Resistir. Buscar solidariedade do grupo. Esta é a alternativa mais
saudável.
Demitir-se, procurar outro emprego, por não encontrar apoio dentro do
grupo, dentro da Empresa. Considero esta alternativa saudável também. A
Dra. Margarida recomenda que o funcionário vá ao sindicato da categoria,
Centro de Referência do Trabalhador, que são ligados às Secretarias de
Saúde do Estado ou do Município, Ministério Público ou mesmo o Conselho
Regional de Medicina, dependendo da esfera do assédio moral.
Continuar trabalhando por medo de não encontrar outro emprego e ao mesmo
tempo, com medo de perder este emprego e nesta posição, acaba adoecendo.
A Dra. Margarida relaciona as principais doenças causadas pelo assédio
moral pesquisadas por ela: mais de 50% dos casos são manifestações
depressivas, hipertensão, dores generalizadas pelo corpo, tensão no
pescoço, gastrite – distúrbios digestivos – e distúrbios do sono. As
pessoas pesquisadas mostram o resultado desse adoecer com exames clínicos.
Tudo em conseqüência do trabalho.
Como fazer a prevenção do assédio:
Segundo a Dra. Lys Esther Rocha, que é do Departamento de Medicina do
Trabalho da Faculdade de Medicina da USP e defendeu tese de doutorado
sobre o stress no trabalho, há instrumentos dentro das Empresas que
poderiam ajudar de alguma forma, no sentido de estar discutindo as
condições no trabalho; até que ponto elas são viáveis e quais as
conseqüências disso: são as Comissões de prevenções de acidentes e as
comissões de qualidade de vida no trabalho.O importante é entender que o
problema não é do indivíduo, mas das condições de trabalho que permitem
que chefes e/ou outras pessoas que realizam o assédio moral, tenham espaço
para isso. Ela exemplifica: “nas Empresas onde a qualidade do trabalho é
muito importante, tipo indústria química, nuclear, aviação, onde o stress
determina um risco grave em termos de responsabilidade, estes problemas
têm sido rapidamente resolvidos”.Então, por que não resolver em todas as
outras Empresas? Afinal, o mundo corporativo não está em busca de
qualidade? Não está querendo lucros? Os programas de qualidade total
consideram todas as funções importantes e de responsabilidade dentro do
processo. Penso que a saúde e a qualidade de vida do cliente interno
(funcionários) deveria ser levada mais a sério, pelos dirigentes das
Empresas, até mesmo, para que eles possam obter os resultados financeiros
desejados.
O mais interessante, é que muitas Empresas não conseguem enxergar quanto
perdem com isso. A diretoria pensa em produção, em metas, mas não tem
visão sobre o quanto as relações no trabalho interferem no processo. Os
profissionais da área da saúde estão recebendo milhares de pessoas
estressadas, que começam a apresentar queda na produtividade, depressão e
até enfarto. Segundo a Dra. Lys, a saída para não responder às agressões e
humilhações tem sido: academias de ginástica,dança, etc. Penso que pode
ser como uma estratégia para canalizar as emoções.
Vamos torcer para que as Empresas possam um dia compreender que a
produtividade está diretamente ligada a um ambiente de trabalho sadio, e
assim, dar a devida importância para as relações humanas entre os seus
funcionários. Com certeza, os lucros serão maiores em todos os sentidos,
para todas as partes.
Quem pratica assédio moral, no meu entendimento, está trabalhando contra a
própria Empresa, muitas vezes com a conivência das pessoas que estão na
cúpula dela. Isso seria burrice? Prefiro acreditar que é apenas falta de
informação.
Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga graduada pela PUCCAMP, especialista
clínica em Análise Transacional pela ALAT e UNAT-Brasil, consultora de
empresas, palestrante e escritora
|