O lobo da estepe
Publicado em 22/5/2006 no site: www.curriculum.com.br
“Cresça! Mas não me supere!” Esta é a mensagem que o lobo da estepe
recebeu de seus progenitores, educadores ou figuras emocionalmente
significativas na sua infância.
Hoje, ele não se lembra mais disso. Esta mensagem ficou gravada no seu
inconsciente.
Obediente a esta mensagem não verbal introjetada, o lobo da estepe
programou a sua vida para ser bem-sucedido, mas nunca superar a figura que
enviou a tal mensagem, geralmente, o pai ou um dos pais. Seu crescimento e
desenvolvimento profissional estão fadados a ser sempre limitado. Ele pode
ultrapassar o crescimento de quem enviou a mensagem, sim! Mas vai pagar um
alto preço por isso. A culpa o atormentará e várias sabotagens ele fará
para não obter o tão sonhado resultado que o levaria ao pódio. Isso inclui
ter uma vida dura, trabalhar duro, não se divertir, quando todos se
divertem, não dormir quando todos dormem, não rir quando todos acham
engraçado, não descansar, não, não, não...
Esta mensagem acompanhada de outras, tais como “não desfrute a vida”,
“trabalhe duro”, poderá levar ao colapso emocional e o lobo da estepe
adoecerá. Porque ele trabalha duro, não desfruta a vida, e seu crescimento
é tumultuado por pequenos boicotes inconscientes que o empurram a um
estilo de vida frustrante.
Quando adoece, física e ou psiquicamente, o lobo da estepe sente um certo
alívio: “puxa, que legal, não vou mesmo ser feliz, não vou desobedecer a
papai ou mamãe, pois eu sou bem-sucedido, mas vejam, sou infeliz!”.
Se ele viaja, é sempre para desestressar, e achando que não é o momento.
Claro, ele não pode desfrutar a vida, lembram-se? Fica preocupado porque
está no resort e o celular não toca, ninguém o procura, o que será que
está acontecendo, meu Deus? Liga para a empresa, liga para os filhos, está
tudo bem, mas ele não acredita. Tenta relaxar, toma uma cerveja, mas sua
cabeça está onde? Nos problemas que ele necessita que existam. Arrisco
dizer que uma ligeira paranóia o acompanha sorrateira, do tipo: “estão
sempre armando contra mim, não confio em ninguém”.
O lobo da estepe confia, sim! Mas nas pessoas erradas. Ele desconfia de
todo mundo, mas dorme com o inimigo. Ele escolhe a dedo,
inconscientemente, aqueles que serão seus parceiros no boicote do seu
sucesso.
Se o lobo da estepe tiver um pouco de sorte, ele poderá encontrar no seu
caminho, um treinador, um coach, um mentor, um consultor. Estará ele
diante de uma encruzilhada. Se o coach for visionário o bastante para
diagnosticar e decifrar seu inconsciente, se for suficientemente corajoso
para fazer esta leitura e trazer à consciência do lobo da estepe toda esta
dinâmica intrapsíquica, maravilha! O lobo da estepe poderá se libertar das
suas correntes e amarras, transformar a sua vida, reprogramar tudo,
desobedecer a papai e seguir adiante: “Eu posso crescer, eu mereço
crescer, eu quero crescer, eu vou crescer, olhem, estou crescendo, e...
pasmem... não dói! Em vez de culpa, angústia, depressão, sei lá... estou
sentindo uma coisa boa, do tipo nas nuvens. Céus, isso é o que chamam de
bem-estar? Felicidade, por acaso?”
O outro caminho é a recusa ao convite do coach para desobedecer a papai.
Neste caso, o lobo da estepe vai dar o fora, resistir ferrenhamente às
observações e convites do coach. Ele nem vai mais respeitá-lo, sequer. Vai
desconfiar dele também, claro, porque ele não pode confiar em quem está
querendo fazê-lo pensar diferente. Que perigo! “Este negócio de coach tem
que acabar, ele está querendo fazer a minha cabeça!” – dirá ele, para
justificar o retorno aos padrões de comportamento antigos. E seguirá seu
caminho, mais ou menos feliz.
Se ele tem uma empresa, um negócio, se administra alguma coisa, será
sempre o centralizador e estará rodeado de pessoas leais que erram muito e
comprometem o sucesso do negócio, porque ele precisa destas pessoas para
cumprir o seu destino. Ele terá a maior paciência com elas, porque ele
terá a tendência em repassar a batata quente. Seus funcionários não podem
superá-lo. Para tanto, terá que estar cercado de pessoas que também se
boicotam. Erram, não por maldade, sabe? Muito menos por incompetência,
imagine! Erram e não mudam, continuam errando várias vezes no mesmo ponto.
Porque elas precisam completar a patologia do lobo da estepe.
Nos seus momentos de lucidez, ele se sente só e incompreendido. Pode ser o
momento propício de aceitar o convite de um outro coach, ou do mesmo, se o
danado persistentemente não desistiu, ficou ali, sorrateiro, esperando
outra oportunidade para trazer a liberdade ao mundo deste ser! Existem
coachs assim, acreditem! Eles esperam pacientemente pelo momento certo e
dizem: ahá, pensou que eu tinha ido embora, hein? Não, não fui! Estou aqui
ainda e incondicionalmente, apesar de todos os desaforos que você me fez
não acreditando em mim, eu não desisti de acreditar que você pode ser
feliz!”
Talvez o lobo da estepe abandone suas mensagens temporariamente. Isso não
poderá ser confundido com cura, poderá ser apenas um teste. O coach deve
ficar atento, pois ele poderá ficar parecendo curado. Para ter certeza, o
coach deverá acompanhá-lo ainda por um bom tempo, de perto, ou de longe.
Ficará torcendo para que a decisão em mudar seja definitiva, permanente!
Quem sabe um dia, poderá brindar sozinho, ou tomar um drinque para
comemorar, com o próprio ex-lobo da estepe, um novo tempo, onde ele
finalmente aprendeu a desobedecer a suas mensagens parentais danosas.
O coach poderá olhar em volta e constatar a cura: realmente, o estilo de
vida mudou e as pessoas com quem ele se relaciona podem crescer, podem ser
competentes, erram, mas consertam rapidinho e não repetem os mesmos erros,
seu negócio progride dentro de um clima agradável.
Emocionado, o coach concluirá na sua avaliação que a programação
inconsciente foi substituída por uma outra, livre de boicotes e amarras.
Então, ele se aproximará do ex-lobo da estepe, levantará seu copo e,
sorrindo, fará tim-tim!
Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga graduada
pela PUCCAMP, consultora de empresas, palestrante e escritora
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