Perversidade corporativa
Há alguns anos, escrevi e publiquei um
artigo enfocando o tema “assédio moral” e desde então, tenho recebido
inúmeros pedidos virtuais de material sobre o assunto. Na prática,
identifico os sinais de perversidade que podem evoluir para assédio e
realizo intervenções preventivas. Esta semana, recebi um e-mail divulgando
a realização do Seminário Nacional “Assédio Moral nas Relações de
Trabalho”, que acontecerá nos dias 05 e 06 de maio/2006 em São Paulo-SP.
Parece que o assunto está mais estruturado e sua discussão chega às bases
sindicais.
O assédio moral no trabalho é mais comum do que imaginamos e por isso é
considerado normal pelos menos informados. Ele é tão antigo quanto o
próprio trabalho e a partir da publicação do livro de Marie France
Hirigoyen: “Harcelement Moral: la violence perverse au quotidien”, as
empresas começaram a se conscientizar da ameaça que o assédio moral
representa para sua imagem e lucros.
Uma simples piadinha ou brincadeira de mau gosto pode evoluir no grupo,
tomar proporções humilhantes que, se forem repetidas com a mesma pessoa,
podem caracterizar assédio moral.
O assediador arruma um ou vários motivos para humilhar ou constranger a
outra pessoa – o assediado. Observo que o assediador encontra um ponto
fraco no assediado, que se intimida, não o enfrenta. Daí em diante, ele
pode intensificar os comportamentos assediadores, que podem ser verbais ou
não verbais. Não cumprimentar a pessoa intencionalmente, por exemplo,
várias vezes repetidamente, com a intenção de causar constrangimento, é
uma forma de assédio moral não verbal.
Através de muitas observações, descobri uma versão mais elaborada do
assediador: ele se faz de vítima, inverte o jogo, e deixa o assediado com
fama de vilão. Uma sutileza bárbara, de cair o queixo. Faz carinha de
anjo, sorri, enquanto enfia o canivete na barriga do assediado, através de
comportamentos não verbais e manipuladores. Arruma aliados também
perversos para fazer parte do jogo que acontece de forma ulterior,
desonesta e suja. Os omissos, aqueles que não se posicionam, também
colaboram para reforçar o processo. Na fachada, a barra dele está sempre
limpa, pois geralmente, o assediado se afasta, procura se proteger ficando
longe do assediador, sem responder aos seus ataques pois não faz parte da
natureza de seu caráter.
Os índices de perversidade se unem num grupo e podem causar queda na
produtividade além de arranhar a imagem da empresa no mercado. Quando
identifico um foco de perversidade mínimo, faço intervenções no sentido de
convidar as pessoas a interromper o processo. É um trabalho de reeducação,
pois muitas pessoas não sabem se comunicar de forma saudável. Não são
conscientes do que estão fazendo. Trago isso à consciência delas, das mais
variadas formas. Numa das seleções que fiz, havia um funcionário que já
havia trabalhado com outras pessoas no grupo que estava sendo selecionado.
Fiquei sabendo que algumas pessoas diziam para quem estava sendo
contratado: “meus pêsames, você vai trabalhar com ele”. Fiz intervenções
preventivas de tal forma que se dissolvesse qualquer tipo de abuso de
poder ou assédio e este funcionário mudou positivamente, descobriu formas
saudáveis de se sentir poderoso.
Ana Maria Bispo, no site www.rh.com.br , informa sobre a questão da
jusrisprudência, através do advogado Mario Antonio Lobato de Paiva: ele
explica que uma pessoa jurídica não pratica assédio moral. O que ocorre é
a prática de determinados atos ou omissões por seu agente, na maioria dos
casos, empregado, por exemplo, que configuram assédio psicológico no
ambiente de trabalho e poderá ensejar na responsabilidade civil da empresa
empregadora, no que tange à reparação do dano causado ao empregado.
"Considerando que nosso ordenamento ainda não regula a matéria sobre o
assunto, não existem penalidades dietas. Há, no entanto, legislações
esparsas como a lei municipal de São Paulo, 1.163/2000, que prevê
penalidades à prática do assédio moral no âmbito da administração pública
paulista. Na administração pública federal existe o projeto de Lei
4.591/2001, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de
assédio moral por parte dos servidores públicos da União e projetos de lei
federais que visam inserir o fenômeno no Código Penal, a fim de
estabelecer uma sanção penal para o agente causador", explica Lobato. O
advogado alerta que quando se ingressa na Justiça Especializada do
Trabalho com ação de reparação por danos morais, proveniente de assédio
moral, o reclamante deve comprovar este, para que seu pedido seja
procedente, através de provas lícitas e obtidas da mesma forma. "Se for
configurada má-fé do reclamante, a empresa ou o reclamado poderá pleitear
a litigância de má-fé do autor. Isso poderá resultar no pagamento de multa
não excedente a 1% sobre o valor da causa ou mesmo indenizar a parte
contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e
todas as despesas que efetuou".
A importância do profissional de RH é imensa, para identificar e agir
diante dos primeiros sinais de perversidade na empresa. A manutenção de um
clima saudável é o fator mais significativo. Mas tem que ser profundamente
saudável. Não estou falando de churrascos, happy hours, bolos de
aniversário e coisas do gênero. Vejo equipes com fachadas saudáveis e
muita sujeira empurrada debaixo do tapete.
Quando o assediador possui poderes de função sobre o assediado, a dor
psicológica é maior, pois interfere na produtividade, no fluxo de trabalho
do assediado. Isso pode provocar depressão, doenças psicossomáticas,
desperta muita emoção negativa de raiva e tristeza.
O profissional de RH deve ter um respaldo incondicional da diretoria da
empresa para fazer intervenções que garantam um relacionamento coeso.
A conscientização e a sensibilização dos gestores e líderes, fortalecem as
ações de RH, que podem ser preventivas. Eu diagnostico os perversos
durante a ouvidoria e faço as intervenções diretas ou indiretas, para
promover a integração. Fiz uma intervenção num grupo onde a fritada
corporativa estava rolando solta, expondo elementos da empresa com
brincadeiras de perversidade sutil; estanquei o processo e os elementos
menos sensíveis foram fritar em outro lugar.
Estabelecer um código de conduta onde os valores do grupo são listados e
sempre lembrados através de comunicação eficaz, direta e transparente, é
uma das ações para se evitar a evolução do assédio moral, caso haja
colaboradores com traços de perversidade. Podemos estancá-la, mas se isso
não ocorrer, o setor de RH deve manter um canal de comunicação bem aberto
para denúncias e deve mediar a resolução dentro dos âmbitos da empresa,
pois quando isso chega até os tribunais, significa que houve
desqualificação do problema. É como um simples resfriado que poderia ser
tratado sem evoluir para pneumonia.
Existem casos onde o profissional de RH deve recomendar tratamento
psiquiátrico ou psicológico para o assediador. Tenho feito um trabalho com
o assediado no sentido de fortalecer seu ego de tal forma que ele estanque
o assédio, empoderando-se positivamente para agir diante do assediador.
Por exemplo, quando o assediador não cumprimenta o assediado, ele pode
dizer com humor: “você não me cumprimentou, fiquei invisível?”. Levar ao
conhecimento dos demais membros do grupo é também uma forma de se
proteger, pois o assediador é expert em fazer isso com tanta sutileza que
depois ele pode dizer que foi o assediado quem não o cumprimentou. Há
outras formas de se lidar com o assediador, interrompendo o processo.
Sabemos que a empatia pode não acontecer com todos que trabalham debaixo
do mesmo teto. Mas isso deve ter um limite. O profissional de RH pode
diagnosticar e agir; seu maior desafio é trabalhar o assédio moral quando
o assediador é o gestor; ou ainda, quando é o gestor de forma camuflada
através da sua eminência parda, cuja perversidade é deliberadamente
alimentada por ele.
Um alerta para os profissionais de RH: eles não estão livres de caírem nas
armadilhas do assédio moral. Todo cuidado é pouco!
Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga graduada
pela PUCCAMP, especialista clínica em Análise Transacional pela ALAT e
UNAT-Brasil, consultora de empresas, palestrante e escritora
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